O Estado do Ensino em Portugal. Algumas Sugestões de Mudança!
Criaram uma escola de facilitismo crónico, onde grassa a indisciplina, a desmotivação, o desinteresse e a total desvalorização do conhecimento e do esforço individual implícito ao ato de aprendizagem.
A educação e a cultura são dois pilares fundamentais de qualquer regime político. Foi por isso que os regimes ditatoriais (fascistas, comunistas e outros) não descuraram o enorme potencial doutrinário do ensino. Durante o regime salazarista, por exemplo, a maior parte dos jovens nem sequer teve acesso ao ensino. Apostou-se no analfabetismo medieval, porque um povo culto seria incómodo para o regime. Por outro lado, estes tipos de regimes selecionaram cuidadosamente as elites, submetendo-as a uma cuidadosa doutrinação com ideias nacionalistas, racistas, colonialistas e imperialistas. Tudo isto à custa da exclusão, da coerção da liberdade individual e da aniquilação do indivíduo intelectualmente livre, para que os regimes se perpetuassem sem oposição.
Em democracia, cujo princípio básico é o respeito pela liberdade individual, na sua plenitude, o ensino foi anunciado como inclusivo, com oportunidades iguais para todos, independentemente do estrato social ou status económico – o tão proclamado “elevador social”.
Mas a realidade desmente dramaticamente estas boas intenções. Para ser inclusivo, apostou-se num ensino que gradualmente se tornou cada vez menos exigente, infantilizado, pobre de conteúdos, e com uma total desresponsabilização dos alunos e encarregados de educação. A profissão docente foi desvalorizada socialmente, e a educação e a cultura tornaram-se pouco (ou nada) reconhecidas como fatores fundamentais de valorização social, cultural e humanística. Os que as valorizam, em geral filhos de famílias com maior poder económico e culturalmente mais apetrechadas, deslocam os seus filhos para escolas privadas de elite.
Desta forma puderam “embelezar-se” resultados, que não correspondem genericamente à fraca qualidade real dos alunos, refletida nas competências mais básicas – escrita manual, leitura e interpretação de um texto, expressão oral, ou cálculos elementares. Falsearam-se resultados e as pressões para aprovações automáticas é enorme por parte dos governos. Complicou-se a avaliação de conhecimentos, criando-se metodologias inócuas e grelhas insuportáveis, de uma complexidade pedante, tudo para mascarar o pobre estado da escola pública.
No entanto, é de elementar justiça reconhecer a enorme dedicação, competência e espírito de sacrifício de uma grande maioria de docentes e dirigentes escolares, e de um número razoável de alunos que, apesar do caos reinante, conseguem à custa do seu mérito e esforço pessoais, superar as dificuldades criadas pela confusão generalizada.
Responsáveis? Há vários, na minha opinião – o poder político, em primeiro lugar, os chamados “cientistas da educação” e os representantes das tendências da moda (altamente variável) de certas escolas de psicologia. Com a influência política que têm tido, transformaram a escola pública num imenso laboratório de experimentalismo pedagógico. Com isso degradaram-na, inundando-a com uma burocracia asfixiante e coagindo os professores a seguir normativos, muitas vezes ambíguos e contraditórios, indecifráveis na sua linguagem pseudocientífica, dada a variabilidade das suas ideias, sem qualquer rigor ou coerência científica.
Criaram uma escola de facilitismo crónico, onde grassa a indisciplina, a desmotivação, o desinteresse, a apatia e a total desvalorização do conhecimento e do esforço individual implícito ao ato de aprendizagem. Uma escola onde não há estratégia, objetivos bem definidos ou obstáculos para vencer. Provas de aferição que nada avaliam, projetos e mais projetos de “copy/paste”, feitos “googlando” ou “chatbooteando” bases de dados, com um acrítico e frenético recurso ao digital e ao “moderno”. No dizer de José Pacheco Pereira “nunca tantos souberam tão pouco sobre tanta coisa”.
Para agravar esta situação, está em curso um novo assalto à escola pública, que dá pelo nome de “digitalização do ensino”. O que aí vem? Manuais digitais, provas em computador, abolição da escrita manual, substituída por teclados, e da leitura pausada, concentrada e interpretativa, que só o livro clássico permite. Tudo o que está a ser rejeitado em vários países, está em implementação entusiástica, incentivada pelas empresas tecnológicas e afins, para baralhar ainda mais o caos instalado na escola pública. A esta restará a persecução do “grande desígnio” da modernidade – produzir pouco mais do que hábeis plagiadores, pesquisadores acríticos de (des)informação massiva, seres iletrados, fascinados pelos recentes instrumentos da IA.
Gostaria de dar algumas sugestões porque tenho a forte convicção de que a educação e a cultura (científica, humanista, artística, etc.) são os pilares fundamentais dos regimes democráticos. Eleitores cultos fazem melhores escolhas, e eleitos cultos desempenham melhor o seu papel dirigente. Uma escola forte e exigente é uma garantia do fortalecimento da democracia e da lucidez libertadora dos jovens perante os obsessivos apelos e tentações do capitalismo desenfreado – apelos à competitividade sem regras, ao empreendedorismo de alto risco, à produtividade à custa da degradação da qualidade de vida, etc.
- Exames nacionais em cada fim de ciclo.
- Criação de uma cultura de exigência e de responsabilização dos alunos, e encarregados de educação, pelo seu esforço individual no ato de aprendizagem.
- Reposição da autoridade do professor na sala de aula. Regulamentação disciplinar clara e eficaz, que termine de vez com a indisciplina em sala de aula.
- Fim do uso indiscriminado de recursos digitais, a não ser como instrumentos de aprendizagem, quando tal se justifique, sob o controlo criterioso dos professores.
- Fim dos manuais digitais e exames em computador.
- Foco nas aprendizagens. A escola deve ensinar. É esse o seu principal papel. Ensinar e valorizar o imenso legado criado pelo génio humano nas áreas científicas, humanísticas, artísticas e tecnológicas. O aluno é potencialmente um agente ativo e transformador de uma realidade em constante evolução, e não parte de uma realidade virtual impingida por tecnologias ou vendedores de ilusões.
- Fim da instabilidade dos conteúdos programáticos. Um grande pacto de regime para que terminem as frequentes e crónicas mudanças dos planos curriculares, tornando-os independentes de tendências políticas e ideológicas, ou das culturas da moda.
Sei que estas medidas exigem muita coragem política, e concordância dos dirigentes escolares, associações de pais, sindicatos, e, sobretudo, solidariedade e concordância dos professores. Terão que vencer fortes oposições e acusações (“retrocesso civilizacional”, saudosismo dos “tempos da outra senhora”, etc.). Mas estou convicto de que, se forem implementadas, a escola ganhará paz, e terá finalmente o ambiente propício ao pleno desenvolvimento dos jovens, nos quais a sociedade, como um todo, tanto investe e nos quais deposita tantas expectativas.
Autor: João Nuno Tavares
Fonte: O estado do ensino em Portugal. Algumas sugestões de mudança | Opinião | PÚBLICO (publico.pt)
Tag:crianças, educação, estudantes, portugal